Um olhar sobre o seminário francês dedicado ao linfedema: ciência, cuidados e a força da “pair-aidance”
- Silvia Delvan
- 18 de nov.
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de nov.
Em Paris, na França, um seminário no dia 6 de novembro de 2025 reuniu especialistas, profissionais de saúde, pesquisadores, associações e familiares para discutir um tema que afeta milhares de pessoas, mas que ainda é pouco conhecido pelo público: o linfedema. Ao longo de um dia inteiro, o encontro abordou desde políticas públicas e organização do cuidado até avanços científicos, relatos de vida e o papel transformador da experiência dos próprios pacientes.
Organização do evento
O seminário foi organizado pelo Partenariat Français du Lymphœdème (PFL), uma associação sem fins lucrativos criada em 2012 a partir da iniciativa conjunta do International Lymphoedema Framework (ILF), da Société Française de Lymphologie (SFL) e impulsionada pelo engajamento da associação de pacientes AVML. O PFL tem como missão garantir que todas as pessoas com linfedema — crianças e adultos — tenham acesso a cuidados de qualidade, independentemente de onde vivem ou de sua condição socioeconômica. Suas ações se apoiam em três pilares: colocar os pacientes no centro das decisões, fomentar parcerias multidisciplinares nacionais e internacionais, e avaliar continuamente as práticas clínicas para aprimorar os percursos de cuidado.
É dentro dessa visão integradora que o seminário se estruturou, promovendo um espaço de troca entre profissionais de saúde, pesquisadores, pacientes, fabricantes e instituições, buscando soluções concretas para melhorar a vida de quem convive com o linfedema.
De manhã: políticas, organização do cuidado e desafios práticos
A primeira parte do seminário contextualizou o que é o “Article 51”, e como ele pode ajudar a melhorar o sistema de saúde como um todo no contexto de doenças raras. Graças ao Artigo 51, é possível propor projetos inovadores na área da saúde — inclusive voltados ao linfedema.
Um dos projetos atualmente apresentados no âmbito desse dispositivo envolve exatamente a estruturação nacional do tratamento do linfedema, abrangendo elementos como: formação e capacitação de fisioterapeutas e terapeutas especializados, remuneração dos profissionais, criação de percursos de cuidado uniformizados e melhora do acesso aos materiais de compressão. Essa possibilidade abre caminhos concretos para avanços sistêmicos que beneficiem pacientes em todo o território.
À tarde: ciência, genética e riscos associados
Pesquisadores apresentaram como determinadas variantes genéticas estão relacionadas ao linfedema primário e destacaram o papel do aconselhamento genético para famílias afetadas. Um ponto importante — muitas vezes desconhecido — é que a análise genética não é automática: ela é feita caso a caso, por equipes multidisciplinares que avaliam profundamente cada resultado, cada variante identificada e seu possível impacto na fisiologia linfática da pessoa.
Esse processo é longo, minucioso e altamente técnico, envolvendo diversos profissionais, entre eles geneticistas e especialistas em linfologia até se chegar a uma interpretação confiável baseada no teste genético.
Também houve uma discussão detalhada sobre radioterapia em câncer de mama e seu impacto no risco de desenvolvimento de linfedema. Foram apresentados exemplos de técnicas mais modernas que reduzem significativamente o risco de lesão linfática, como:
IMRT (Radioterapia de Intensidade Modulada), que molda o feixe de radiação com maior precisão, poupando os tecidos linfáticos;
Radioterapia hipofracionada, com doses maiores em menos sessões, reduzindo a exposição global dos tecidos;
Irradiação parcial da mama, aplicada apenas na área tumoral, preservando grande parte da região axilar;
Técnicas avançadas de planejamento, que evitam irradiar desnecessariamente os linfonodos axilares níveis I e II, diminuindo o risco de dano direto aos vasos linfáticos.
Esses avanços demonstram como a evolução tecnológica e o planejamento individualizado têm impacto direto na prevenção do linfedema pós-câncer de mama, reforçando a importância de equipes qualificadas e de protocolos atualizados.
Os depoimentos: quando a ciência encontra a vida real
Um dos momentos mais marcantes foram os depoimentos de pais, pacientes e “pairs-aidants” – pessoas que, a partir da própria experiência, se tornam pontos de apoio para outras famílias.
Relatos incluíram:
a jornada até o diagnóstico,
os desafios quotidianos do tratamento,
o impacto emocional e social,
a importância da comunidade e do apoio entre pares.
Essas histórias trouxeram profundidade humana ao debate e reforçaram a necessidade de redes de apoio estruturadas.
Dr. Vignes e o papel dos “pairs-aidants”
A fala do Dr. Vignes esclareceu diferenças entre paciente parceiro, paciente expert e pair-aidant. Enquanto profissionais de saúde mantêm o foco técnico, os “pairs-aidants” oferecem algo complementar: saber experiencial, acolhimento e compreensão real do cotidiano do linfedema. O seminário mostrou como esse papel, já reconhecido pela Haute Autorité de Santé (HAS), pode ser formalizado dentro dos percursos de cuidado.
Conclusão: França e Brasil caminham em paralelo, mas com diferenças estruturais
O seminário evidenciou algo importante para quem compara a realidade francesa com a brasileira: os tratamentos em si são, em grande parte, os mesmos. Drenagem linfática, terapia física complexa, uso de meias e bandagens de compressão, educação terapêutica, cuidados com a pele e acompanhamento são práticas equivalentes nos dois países.
A diferença central está no ecossistema que sustenta o cuidado.
Na França, nota-se um avanço significativo em duas frentes:
Investigação genética dos linfedemas primários: A comunidade científica francesa está mais mobilizada na busca de explicações genéticas, na caracterização de variantes hereditárias e na criação de protocolos de aconselhamento familiar — análises que requerem equipes multidisciplinares, tempo e investigação profunda.
Inserção do linfedema na política pública e no financiamento do cuidado: A discussão francesa foca fortemente em como integrar o linfedema às despesas cobertas pelo sistema público de saúde, garantindo reembolso de tratamentos, materiais de compressão e acompanhamento contínuo pela seguridade social. No Brasil, embora existam centros de excelência e profissionais altamente capacitados, o acesso a meios de compressão e terapias especializadas costuma depender de recursos próprios ou de programas restritos, sem cobertura universal.
Em resumo, Brasil e França oferecem terapias semelhantes, mas a França está mais adiantada na construção de um modelo integrado, sustentável e geneticamente informado, além de se aproximar cada vez mais de garantir que o cuidado seja um direito financiado pelo Estado — e não um esforço individual das famílias.

Silvia Delvan é brasileira, engenheira e vive na França. Atua como correspondente voluntária associada da Abralinfe na Europa e convive com linfedema primário na perna. Curiosa e sempre em busca de conhecimento, interessa-se por todos os assuntos relacionados ao linfedema, trazendo informação e perspectiva para a comunidade.






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